16.8.11

Tete - Cidade de Pó

Através do ar amarelo ele consegue distinguir 3 cores: verde, vermelho e azul. Há uma quarta, o castanho, mas as primeiras disntinguem-se qual areia de uma ampulheta tricolor. Invadem as ruas, as pragas, as estradas. E depois, como num passo de mágica, desaparecem dentro de edifícios. A acompanhar esse mar de cor, turvo do pó amarelo, vem um burburinho que lhe invade o pensamento. São várias línguas com vários sotaques misturadas com outros dialectos a falarem de um mesmo tema: trabalho. Após 15 minutos, tudo acaba. As massas coloridas refugiam-se do pó amarelo em edifícios selados a ar-condicionado.

Lá fora, tudo acalma e apenas ficam duas cores: o amarelo do pó e o castanho das pessoas locais. Esses não têm direito a ar-condicionado. Nem sequer a água potável, electricidade ou comida em quantidades aceitáveis. O seu sonho é um dia ter direito a uma camisa verde, vermelha ou azul, e ao ar-condicionado que as acompanha. Mesmo que esses privilégios sejam acompanhados pela tarefa de consumir a terra que os viu nascer, onde brincaram, estudaram e da qual se alimentaram. Nessa altura, a terra vivia do sol, agora serve para alimentar a idade do fogo. Entretanto, tudo o que sobra dela é o pó. E a esperança de que, um dia, quando voltar a percorrer as ruas - já vestidos com uma camisa colorida e a acelerar passo para chegar ao ar-condicionado - inspire um grão de pó que o viu aprender a letra "i". Aí, nesse reencontro entre passado e presente, irá perceber o futuro.

Nesses dias que estão para vir, nada será igual ao que era e ao que foi. Excepto o pó amarelo que paira no ar, tolda a vista e seca os pulmões. Mas aí já não haverá marés tricolores: apenas o castanho, o mesmo que já existia antes do pó, antes das camisas verdes, vermelhas e azuis. E depois do futuro, quando o pó amarelo começar a assentar, os que ficarem verão que, vista sob o céu limpo, azul e quente, a cidade não existe.

Há apenas um conjunto de casas e prédios e hotéis vazios, rodeados por enormes buracos - a única prova de que tudo não terá sido uma miragem? - escavados por aqueles que vestiram as camisas coloridas. O pó, esse voou para longe, levando consigo a cidade que ajudou a construir e as memórias daqueles que viveram quando ele era apenas simples terra vermelha.

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