21.8.09

london by fall

«Que é que estás a fazer, rapaz?»

A pergunta feita por aquela voz conhecida fê-lo estremecer dos pés à cabeça. Depois da hesitação inicial em responder, confessou «Pai, sofro de transtorno obsessivo-compulsivo

«Sofres de quê?»

Percebeu logo ali que iria ser difícil o pai aceitar essa doença, que até aí desconhecia

«Transtorno obsessivo-compulsivo. Uma doença da cabeça.»

«Doença na cabeça?! Mas o que é que essa doença faz? Podes morrer?»

Pois...

«Não, não posso morrer. Simplesmente tenho de ter as coisas muito arrumadinhas... Não tem nada de mal.»

«Ter as coisas arrumadas?»

«Sim... tem de estar tudo simétrico. Até estou a pensar arranjar um segundo cão."

«Mas tu estás parvo? O teu país declarou guerra à Alemanha há dois meses e tu queres ter as coisas arrumadas? Trata é de apanhar ratazanas e de as vender! A fome vai chegar não tarda.»

«Os clientes gostam mais assim» disse entredentes «Aumentei a venda de ratazanas só por as alinhar assim.»

«Só podes estar maluco! Na Grande Guerra não conseguia apanhar ratazanas que chegassem para tanta procura. Não precisava de as por direitinhas. Estavam dentro de um saco, aos montes. E estavam fresquinhas! Não são como estas que andas praí a vender. Apanhadas nas linhas de comboio... as minhas eram do campo. Mas tu não te dás sequer ao trabalho de percorrer 5 milhas de manhã.»

«Pai. Já lhe expliquei que sofro das costas. Não posso andar com um saco de ratazanas às costas durante 6 milhas. Não são só 5. Por isso é que comprei este carrinho de mão tão jeitoso. E não me diga mal das ratazanas, que ainda ontem me disse que não comi um estufado tão bom desde que a mãe morreu com os intestinos desmanchados.»

«Sim, mas grelhadas não prestam para nada. Parecem borracha!»

As lágrimas começaram a correr-lhe pela cara. Não aguentava mais. Possivelmente, tinha apanhado o transtorno obsessivo-compulsivo por causa do pai lhe estar sempre a ralhar e a bater com a bengala na cabeça. Decidiu que nada seria o mesmo desse dia para a frente, enquanto tentava evitar que as lágrimas caíssem para cima das ratazanas. Afagou o cão que o olhava estupefacto, retirou as duas últimas ratazanas que estavam no carro-de-mão, alinhou-as e começou a apregoar. Nem viu o pai ir embora. Nesse dia bateu o recorde de venda de ratazanas da estação de Paddington, mas não conseguiu ficar feliz.

Morreu em Fevereiro de 1941, altura em que já era conhecido como o "Certinho de Paddington Railway". Por essa altura, vendia cerca de 300 ratazanas por dia. E tinha dois cães.

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